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Saúde e defesa do SUS

Segundo José Alexandre Buso Weiller, os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) levam a um mundo: humano, de vida e de luta e sua defesa deve ocorrer nos campos político, econômico e social.


Há anos reconhecemos que o Sistema Único de Saúde (SUS) se expande, aumentando os atendimentos e cuidados em saúde no Brasil. Desde as ações de vigilância epidemiológica, como o combate a Covid-19 (coronavírus), até os transplantes de órgãos realizados em todo país, vemos um aumento da atenção promovida pelo Sistema. Entretanto o caminho percorrido pelas decisões político-econômicas vai no sentido contrário à expansão do SUS, e nos cabe investigar e denunciar o motivo pelo qual o Sistema não avança em direção a Saúde 100% pública e estatal.

A base da Constituição Brasileiraparte de um pressuposto consolidado na história do sistema capitalista: que a “propriedade privada é um direito sagrado e inviolável”[1]. E aqui reside nosso ponto sobre a função/forma do Estado e do Direito. Tanto o Estado quanto o Direito têm como centralidade a garantia de que a propriedade privada deva ser assegurada a qualquer custo, mantendo a forma das relações socioeconômicas hegemônicas, qual seja, o capitalismo. Nesse modo de relações sociais criamos tanto uma homogeneidade entre as pessoas, com assalariamento em massa das que precisam “vender” sua força de trabalho diariamente, quanto uma heterogeneidade diferenciando-as através das suas possibilidades de consumo e renda.

Com o desenvolvimento deste processo de ampliação das diferenças sociais e acúmulo da riqueza nas mãos da classe capitalista, estruturam-se as crises capitalistas nas formas sociais (aumento da violência e insegurança social), econômicas (desemprego e precárias condições de trabalho) e ambientais (catástrofes socioambientais e ecológicas cada vez mais intensas).

É neste momento que o Estado se coloca como um mediador/interventor no sistema para que seja possível que a força de trabalho possa ser reproduzida minimamente, e que a classe trabalhadora possa ter condições de vida e trabalho mínimas para sobreviver. Dadas essas premissas, cabe analisar como tem se comportado o estado brasileiro quanto à existência do SUS e suas funções sociais.

No início do governo FHC, a política econômica brasileira estava estruturada por meio do Tripé Macroeconômico: câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário.

O primeiro dos pontos determina que a taxa de câmbio deve oscilar livremente segundo as forças de mercado. Assim, a taxa de câmbio é definida pelo mercado sem intervenção governamental. Tal determinação pode desencadear, através da valorização da taxa de câmbio, uma intensa desindustrialização do país, ou seja, haverá preferência na compra de produtos estrangeiros ao invés dos produzidos localmente.

O segundo ponto refere-se à atuação do Banco Central em garantir a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Essa garantia se dá, normalmente, a qualquer custo como através, por exemplo: do aumento da taxa básica de juros (SELIC), políticas de crédito restritivas e valorização da taxa de câmbio, podendo ser eficaz no controle da inflação, mas causando, ao mesmo tempo, a desaceleração no crescimento econômico assim como na produção doméstica, no emprego e na renda.

Por fim, o último ponto diz respeito à necessidade de garantia do superávit primário, ou seja, um esforço de superávit do Governo Federal antes do pagamento dos juros da Dívida Pública. Os principais instrumentos para garantia dos superávits são os cortes nos gastos públicos, fundamentalmente nas áreas sociais e de investimentos. Essas medidas até podem ser eficazes no controle do endividamento público, mas restringem a capacidade do governo de usar a política macroeconômica para a promoção do crescimento econômico e para a melhora das condições de vida e de trabalho da população.

Também cabe analisar a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2020, com previsão orçamentária de R$ 3,8 trilhões. Este orçamento federal é a representação máxima de todos os tributos que pagamos para que o Estado e deve garantir à sociedade melhores condições de vida e trabalho.

Assim, a LOA 2020 se distribui entre: Orçamento Fiscal – despesas dos poderes legislativo, executivo e judiciário; além do Ministério e Defensoria Pública da União, pagamento e rolagem da Dívida Pública Federal; Orçamento da Seguridade Social – despesas com Previdência, Assistência Social e Saúde; Orçamento de Investimento – despesas com as empresas estatais como a Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

A Dívida Pública Federal estimada para 2020 é de R$ 1,6 trilhão dos quais R$ 415 bilhões são relativos a pagamento de juros e R$ 234 bilhões à amortização da dívida. No mesmo orçamento aponta-se um gasto federal com o SUS em R$ 116 bilhões, ou seja, só de juros pagaremos “3,5 SUS”. Este primeiro apontamento já revela como o Brasil é um dos maiores pagadores de juros do mundo (ficando apenas abaixo da ilha de Madagascar[2]).

Sobre o montante total da Dívida Pública, durante os mais variados governos (FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro), nunca houve uma autorização do poder executivo para que se realizasse uma AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA[3]. Uma vez que todo o recurso que o governo federal dispõe vem da riqueza produzida pelo povo brasileiro, por que não é autorizada uma auditoria da Dívida Pública Federal? É necessário envolver a população nesta despesa, uma vez que ela representa 42% de toda receita da União, ou seja, quase metade de todo o valor que pagamos em forma de tributos.

Já em relação ao Orçamento da Seguridade Social (OSS), ao utilizarmos da Análise da Seguridade Social 2018 da ANFIP[4], observamos que as despesas que recaem sobre o OSS como a DRU[5] e os déficits dos regimes de previdência de servidores federais e militares, agravam os déficits do OSS que saíram de R$ 17 bilhões em 2005 para chegar a R$ 300 bilhões em 2018. A DRU, criada como Fundo Social de Emergência, deveria ter como função custear “ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada [...] de relevante interesse econômico e social” [6]; mas não é o caso. Em 2018, a DRU retirou do OSS R$ 170 bilhões, ou seja, “1,5 SUS”. Além dos gastos que o OSS cobriu com a previdência, planos de saúde e rede de hospitais próprios para os servidores federais e militares, ficando em R$ 81 bilhões (“0,7 SUS”). Totalizamos, assim, R$ 251 bilhões em 2018 retirados do OSS para outras despesas, desinvestindo em Assistência Social, Previdência e Saúde de forma universal.